A magia da vida
“Mais vale um combate apaixonado do que mil retóricas baratas sobre as vitórias e derrotas.”
Fico preso às imagens que nos chegam de Pequim, comovido e encantado, como se em cada uma delas fosse uma lição sobre a nossa própria vida. Sobre aquilo que dizemos querer e aquilo que efectivamente fazemos para querer que seja por aqui, e não por ali, o caminho dos nossos dias. Na natação, na esgrima, nas pistas, nas regatas, na ginástica, as imagens esplendorosas repetem-se, cheias de beleza, da fé em cada olhar daqueles belos e soberbos atletas que esgotam todas as energias da alma por menos um centésimo de segundo. Por mais um degrau ultrapassado ao lado de outros heróis, todos com um objectivo superior marcado nos sentidos. Melhorar a marca pessoal, melhorar a marca nacional, ficar nos primeiros dez, subir ao pódio, subir ao primeiro lugar do pódio. Cada corrida, cada braçada, cada salto é feito dessa vontade de ir um pouco mais longe, de ser maior do que nos minutos anteriores ao início da prova.
Não consigo desenvencilhar-me desta emoção cada vez que os Jogos Olímpicos se repetem. E não me interessam as coisas feias que eventualmente os habitem ou que os cerquem. Não temos o dom da perfeição absoluta. Mas temos a capacidade, o direito de a sonhar, de lutar por ela, de combater cada centésimo de segundo a menos na construção das vitórias sobre as previsões falhadas de todos os cientistas falhados, obrigação fundamental de um bom cientista. Não é possível correr cem metros abaixo dos dez segundos. Décadas de profecias confirmadas. Até que surgiu o primeiro, o segundo, o terceiro. Não é possível saltar acima dos não sei quantos metros. Não é possível nadar abaixo dos não sei quantos segundos. E em cada encontro de gente de todo o Mundo, planos apertados sobre a convicção, o desejo, a força de vontade, a cavalgada furiosa para o objectivo, caem recordes, renascem heróis, surgem outros, e a televisão dá-nos cada detalhe desses momentos tão intensos que conseguimos partilhá-los com vencidos e vencedores. Pouca importa conhecer as técnicas se percebemos o psicodrama.
E fica-me sempre uma pergunta a tamborilar devaneios: se um país, por exemplo, Portugal, fosse capaz de agarrar a vida e a fome de vitórias que encontramos nos rostos, nos corpos, na garra de todos aqueles atletas, seria capaz de ser melhor? Não sei como se responde a essa pergunta tão romântica quanto nostálgica. Mas já tenho saudades dos Jogos e a certeza de que mais vale um combate apaixonado do que mil retóricas baratas sobre as vitórias e derrotas que não sabemos viver. Nem sofrer. Nem festejar.
Francisco Moita Flores, Professor universitário
Friday, September 19, 2008
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